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11 de maio de 2023

Oi, pai.
Ontem à noite, fui dormir muito indignada, após ter visto um vídeo que recebi de um amigo pelo aplicativo WhatsApp. Hoje de manhã, li nos jornais os detalhes do ocorrido em três de maio, há poucos dias. A notícia a que me refiro aborda a inspeção de segurança “aleatória” direcionada pela Polícia Federal ao deputado estadual Renato Freitas (PT-PR). Ele estava tomando um voo para Londrina, PR, quando foi abordado dentro da aeronave, em Foz do Iguaçu, minutos antes da decolagem, para ter seu corpo e bagagem de mão revistados pelos policiais. Essa não foi a primeira vez em que Freitas foi vítima da arbitrariedade de autoridades constituídas.
Reenviei o vídeo recebido pelo Whats a amigos, com a seguinte legenda: “Busca aleatória, justo em cima dele? Quanta coincidência randômica, não?”. Como você deve saber, houve vários episódios em que ele esteve implicado nos últimos anos. Em fevereiro de 2022, ainda como vereador de Curitiba pelo Partido dos Trabalhadores (PT), ele foi acusado de invasão da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos de São Benedito, no centro histórico da cidade. O protesto que protagonizou dizia respeito ao assassinato do imigrante congolês e refugiado político Möise Kabagambe, brutalmente espancado até a morte por tentar cobrar pagamentos atrasados do dono de um quiosque na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, em 24/01/22. Implicado também no protesto, o caso do homicídio de Durval Teófilo Filho, em 02/02/22, um trabalhador negro morto por seu vizinho, um sargento da Marinha chamado Aurélio Alves Bezerra, ao ser confundido com um ladrão quando chegava em casa. O protesto custou a Renato o mandato de vereador, porque foi cassado por seus pares em uma decisão inédita, apesar de tantos escândalos envolvendo os nomes de outros desses parlamentares da cidade que nunca foram punidos. Mais tarde, após ter sido eleito deputado federal com 57.880 votos, teve o seu mandato de vereador restituído pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso. 
E, pai, veja a ironia impregnada nesse episódio da suposta invasão da igreja: aconteceu em uma igreja que foi construída pelo esforço de pessoas negras, – originariamente no século XVIII e substituída pela atual, a partir de 1946, cuja finalidade era a segregação, uma vez que negros não podiam frequentar igrejas destinadas a pessoas brancas –, agora, em pleno século XXI, a lógica da discriminação persiste. O padre dessa igreja que esteve oficiando uma missa, minutos antes da “invasão”, tentou depor em favor de Renato, na Câmara de Vereadores, mas seu testemunho não foi acolhido. Até o Partido dos Trabalhadores lhe virou as costas, covardemente, condenando o “atentado” à Igreja.
Eu me lembro da reverência e respeito que os adultos costumavam prestar a deputados e senadores eleitos, quando eu era criança. Bem, mas estávamos sob a ditadura militar e a maioria esmagadora do Congresso Nacional era constituída de homens brancos. Inclusive, o tio Chico. Naquela época, se a memória não está falhando, nunca vi nenhum expoente negro se destacar no parlamento. A ideologia predominante na televisão apresentava essa minoria somente em papéis sociais subalternizados. Apesar de estarmos à frente daquele tempo e existirem algumas pessoas negras nas diferentes esferas de poder, o racismo estrutural permanece e continua a perpetuar as perversidades seculares.
Lembra de como você gostava de ouvir a Elza Soares cantar? Ela fez uma versão potente da música “A Carne”, de autoria de Marcelo Yuca, Seu Jorge e Ulisses Cappelletti. Até quando prevalecerá a ultrajante verdade contida no refrão “a carne mais barata do mercado é a carne negra”?
Beijo,
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